O QUE PENSO DE PINTURA





"O QUE PENSO DE PINTURA"
Renato de Almeida

            Quando me iniciei na pintura, numa cidade e numa época de poucos estímulos, carregava aquela necessidade de pintar como uma maldição que me atrapalhava de ganhar o pão nosso de cada dia.
            Sentia que a arte era uma amante que exigia tudo e nada prometia. Apesar disso, ou talvez por isso, me abracei a ela com facilidade para carregá-la com dificuldade. Para servi-la, empreguei-me noutra atividade, tornando-me um pouco escravo como homem, porém, muito livre como pintor.
            Depois disto, vale recordar a resposta que dei a Paschoal Carlos Magno quando me perguntou com quem eu estudara, ao que respondi que quando precisei de professor, não o tive, e quando poderia ter não precisei. Um bom professor, talvez me encurtasse o caminho. Mas, em compensação, caminhei com minhas próprias forças, servindo-me de tudo em geral, mas de nada em particular, o que possibilitou algo pessoal em minha obra.
            Se não me engano, os literatos são os que mais vêem literatura na pintura; e os pintores, nem que seja por deformação profissional, verão primeiro a pintura. O pintor quando vê um cavalo pensa em pintá-lo, não em montá-lo; pensa em servir do cavalo para fazer pintura. Por isto, Goethe já disse: "A arte é arte porque não é natureza".
            Não acredito que um pintor - estou falando dos que têm necessidade mesmo de pintar, não dos que podem viver pintando, mas dos que não podem viver sem pintar - sacrifique uma verdadeira plástica a favor de outra verdade. A necessidade de manifestar suas ideias como pintor, sobrepõe aos elementos que lhe tenham servido como meio para atingir aos seus fins. É provável que o medo da literatura na pintura nos torne mais literatos que pintor, nós tendemos a fazer aquilo que mais odiamos.
            Tem a sua verdade, a minha verdade, e a verdade mesma, ainda assim, acho que devemos cientificarmos de tudo que estiver ocorrendo em arte, principalmente em pintura. Visitar museus, ver obras antigas, modernas, dentro do possível, tomar conhecimento de todos "ismos". Mas quando pintar, ser fiel a si mesmo, nem senhor nem escravo; conduzir e deixar-se conduzir; dar duas ou duas mil pinceladas num quadro, não importa, o que não se deve é pecar pelo excesso ou pela falta. Deixar que as coisas aconteçam, pois cada pintor tem dentro de si um alarme que funciona de acordo com sua necessidade, que separa o joio do trigo.
            A procura da sabedoria pode nos levar a servir a um Deus errado. Tenho a impressão, que de um modo geral, o artista de hoje quer ser um Cristo, não um cristão; quer ser um reformador, não um seguidor, e essa falta de humildade dificulta sua passagem na porta da arte, que como a do céu, é estreita e baixa.
            Quando Beethoven censurou um Arquiduque por usar terças consecutivas em sua música, o Arquiduque disse que Beethoven também havia usado, ao que Beethoven respondeu:
           -Eu posso, vós não.
           Uma aluna pergunta a seu velho mestre italiano:
           -Mestre, posso pintar como vejo?
           -Sim, responde-lhe o mestre, desde que não veja como pinta.
            Com isto quero dizer, que poucos querem passar pela peneira como alunos, querem arrebentá-la como gênios, queimam as etapas esquecendo-se que o tempo destroi o que é feito sem ele. Essa inconsciência os leva a sacrificar a proporção artística. Devemos fazer do borrão um sol, e não do sol um borrão; podemos fazer do palavrão teatro, mas não do teatro um palavrão.
            Termino aqui, completamente despreocupado se fui, nestas considerações, mais pintor que escritor, do mesmo modo, que não me preocupo quando pinto se sou mais escritor que pintor, senão, nem escrevo, nem pinto.
            Ainda é oportuno lembrar o caso de um velho a quem seu neto perguntou:
           -Vovô, quando o senhor dorme, põe a barba para dentro ou para fora do cobertor?
E, à noite, o velho, que até então não havia pensado nisto, começou a botar a barba para dentro e para fora do cobertor, terminando por cortá-la.







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